Jornal da Madeira - Com é que está a saúde laboral dos enfermeiros na Região?
Juan Carvalho - Está mal. De facto, hoje, nos serviços, devido à sobrecarga de trabalho, à inconstância dos horários e dos tempos de trabalho, à própria natureza da profissão e ao contacto permanente com o sofrimento do outro, os enfermeiros, para além da sua vida profissional, estejam esgotados, cansados e desmotivados, estando confrontados com um contexto económico e social do país que não é nada favorável e com um processo de revisão de carreira que se arrasta há uns anos. Tem sido protelado pelo Ministério da Saúde e não se vislumbra um final próximo. E além disso tiveram, durante três anos, o salário congelado, como os outros funcionários públicos.
JM - Acha correcto que os enfermeiros que trabalham fora do Funchal recebem uma majoração de 30 por cento no ordenado, uma situação que acontecia anteriormente, quando esses concelhos eram distantes?
JC - É preciso perceber porque é que isso acontecia. Em 1978, devido à orografia da região, entendeu-se, e bem, que os enfermeiros deveriam ter o chamado “subsídio de fixação à periferia”. Esta situação não abrange apenas os enfermeiros, mas também os médicos, que além da prestação remuneratória, tinham, em alguns casos, casa atribuída. No que toca aos enfermeiros, hoje temos profissionais em todos os Centros de Saúde da Região e cuidados de enfermagem em toda a Região. Não há listas de espera para cuidados de enfermagem, nem problemas de acesso aos serviços por causa disso. Hoje, com a realidade, um pouco diferente, este subsídio tem contexto em outras funções. Por exemplo, hoje sabemos que os enfermeiros percorrem a ilha de ponta a ponta e nos casos em que os doentes estão acamados, ou que por diversas razões não se podem deslocar ao centro de Saúde, os enfermeiros são quem pega nas malas de manhã e voltam, muitas vezes, a meia tarde. Para nós, este subsídio não é para fixar, mas para compensar um conjunto de actividades que o enfermeiro tem.
JM - Não seria lógico que fossem só os que saem a receber?
JC - É rotativo. Este mês pode ser um, para o próximo mês é outro.
JM - E não deveria ser pago apenas a quem sai do Centro num determinado mês, como subsídio de deslocação? Um Centro de Saúde pode ter doze enfermerios e sai um por mês. Nos outros onze meses todos recebem, ficando sentados na secretária.
JC - É discutível.
JM - Numa altura em que há desemprego na enfermagem, como nos outros sectores, não teria mais lógica ser criado, por exemplo, um corpo de enfermagem itinerante? Só para fazer isso?
JC - Os serviços de enfermagem não se fazem às prestações. Mas de forma permanente. Nessa globalidade, sabemos que há carência de profissionais. O problema não decorre da carência dos contextos de trabalho. A questão da admissão de pessoal ao Serviço Regional de Saúde deve-se às regras de admissão de pessoal, que impede a sua entrada. A questão passa mais por medidas economicistas, do que propriamente por necessidades do terreno.
Duplo emprego é permitido por Lei
JM - Mas há muitas pessoas que prestam serviço no sector público e que depois vão a duas ou três clínicas.
JC - Aí coloca-se outra questão. A Lei obriga a que os enfermeiros e qualquer funionário público, para exercer um “part-time”, tenha de pedir autorização à sua entidade patronal, que avalia cada caso e decide em função disso. E até hoje acredito que, se não houvesse essa possibilidade de duplo emprego, não teríamos privados com a qualidade que temos. Talvez agora, face à realidade, a situação deva ser repensada.
O sindicato dos enfermeiros nunca defendeu o duplo emprego. Mesmo na Função Pública, defendemos é as 35 horas semanais e devidamente remuneradas.
JM - Mas essas são as públicas. Sabemos que há enfermeiros que passam seis noites por semana em clínicas para depois entrarem de manhã no hospital. Foram para isso autorizados pelo Governo?
JC - O que lhe posso dizer é que a Lei obriga a que todos os enfermeiros que acumulem tenham autorização da sua entidade patronal. Se esta autoriza essas situações, é porque as avaliou.
JM - Mas quando essa autorização é pedida, é dito que número de horas por semana ou por mês é que um enfermeiro vai lá fazer ou só diz que vai fazer uns pensos?
JC - O requerimento obriga a que o enfermeiro ponha os horários que pratica, o vencimento que aufere, um conjunto de critérios descritos na Lei 12A de 2008 de Fevereiro do ano passado.
JM - Concorda com o duplo emprego quando há desemprego?
JC - Não temos nada contra o duplo emprego, o que defendemos é um vínculo profissional estável, devidamente remunerado, seja ele numa entidade pública ou numa privada.
Estabilidade no sector
JM - Como sindicalista, defensor de todos os enfermeiros, os que têm emprego e os que não têm, acha que o Governo deveria continuar a autorizar esta situação de duplo emprego?
JC - O que defendo é que os enfermeiros devem ter estabilidade de emprego devidamente remunerada. Vir a clarificar-se o trabalho no público e no privado, vem criar maior possibilidade de empregabilidade na profissão. Mas é preciso ter em conta que até há um ano ou dois o serviço público absorvia todos os enfermeiros que se formavam. E hoje, não quer dizer que não sejam necessários, mas há serviços que não se fazem, porque são precisos mais enfermeiros.
JM- Diz que são precisos 2.500...
JC - Para termos um quadro erstável, para não sobrecarregar os enfermeiros com trabalho extraordinário e regimes de horário acrescido e para que não seja necessário solicitá-los para além do que é necessário, apontamos que esse quadro deveria ir até aos 2.500 enfermeiros. Contra factos não há argumentos. Há coisas que não se fazem porque não há enfermeiros, há projectos que ficam a meio caminho por não haver enfermeiros.
JM - Tais como?
JC - A implementação do diagnóstico do enfermeiro, trabalhos de investigação, por exemplo, que muitas vezes demoram mais tempo. Há pouco tempo entrou em funcionamento a unidade de cuidados continuados de São Vicente, porque até há seis meses não tínhamos enfermeiros para estarem nessa unidade.
Os números não são nossos, o Ministério da Saúde reconhece que temos falta de 15 mil enfermeiros.
JM - Temos enfermeiros madeirenses a trabalhar fora da Região?
JC - Sim, particularmente desde 2003, acontece não ficarem colocados em concursos na Região e saberem de outro fora e ficarem colocados nesses depois de concorrerem.
JM - Como aconteceu agora com os enfermeiros de fora da Região que concorreram para cá, com 300 candidatos para 83 vagas.
JC - Mas isso está previsto legalmente, o mercado é aberto.
Regulamento à medida
JM - O novo regulamento interno da saúde está a ser elaborado pelo Governo. Qual a vossa posição, neste momento, em relação ao texto?
JC - Um regulamento interno de uma instituição pública, como o caso do Serviço de Saúde da Região, visa introduzir alterações na organização e gestão dos serviços para corrigir o que está mal e aprimorar o que está bom. E não deve ser direccionado para o grupo A, B ou C.
JM - Está a dizer que está a ser direccionado para os médicos?
JC - Sim, sim. Esteve, não tenho dúvidas. E ainda vou mais longe: procurou introduzir no Serviço Regional de Saúde a ideia de que o acto médico, em certa medida, devia rever-se, no regulamento. O que não é correcto, porque um regulamento deve ter em conta todos os grupos para os motivar numa nova cultura organizacional. Se o objectivo era este, devia considerar em equidade todos os grupos profissionais, incluindo os enfermeiros.
Não tenho dúvidas de que hoje, temos profissionais de enfermagem preparados na área da gestão que desempenham as suas funções na área da saúde. E não se compreende como é que um regulamento interno que visa uma nova cultura, se direccionasse apenas, inicialmente, para uma área profissional, a médica. E nós, como sindicato, que vemos as questões de forma abrangente, preocupamo-nos com os enfermeiros também nestas questões. Desse ponto de vista, interviemos, alertamos o Conselho de Administração para algumas correcções a fazer, foram tidas em conta algumas alterações, mas foram poucas, porque tentou-se apenas dizer que não nos consideravam, mas que "vamos pôr umas coisinhas para dizer que vocês estão cá". Não concordamos, porque hoje, na área da saúde, há vários saberes, como o da medicina, o da enfermagem, o social e outras. Um regulamento devia ter em conta as várias vertentes e o texto não tinha.
A criação de um hospital particular na Região é bem-vinda, desde que se constitua com um corpo clínico próprio, que se organize de forma própria e que o utente, quando tiver de optar entre o público e o privado, faça essa opção consciente do que vai encontrar. Em termos de empregabilidade será, não tenho dúvidas, uma oportunidade para os enfermeiros e outros profissionais de saúde. Não temos nada contra, mas o que não se pode é admitir é que haja alguma promiscuidade entre o público e o privado e que de uma vez por todas se clarifique o que é público e o que é privado. Porque não se pode admitir que não se saiba, muitas vezes, se as pessoas estão no público ou no privado e, segundo alguns utentes, atendem de forma diferente num e no outro. Se os profissionais jogam consoante o campo que actuam, isto não pode acontecer. Agora, a sã concorrência com o público é boa para os utentes por terem mais opções de escolha, boa para os profissionais pela criação de emprego e boa para a Madeira porque teremos, talvez, outras variantes da medicina...
Fonte: JM
Juan Carvalho - Está mal. De facto, hoje, nos serviços, devido à sobrecarga de trabalho, à inconstância dos horários e dos tempos de trabalho, à própria natureza da profissão e ao contacto permanente com o sofrimento do outro, os enfermeiros, para além da sua vida profissional, estejam esgotados, cansados e desmotivados, estando confrontados com um contexto económico e social do país que não é nada favorável e com um processo de revisão de carreira que se arrasta há uns anos. Tem sido protelado pelo Ministério da Saúde e não se vislumbra um final próximo. E além disso tiveram, durante três anos, o salário congelado, como os outros funcionários públicos.
JM - Acha correcto que os enfermeiros que trabalham fora do Funchal recebem uma majoração de 30 por cento no ordenado, uma situação que acontecia anteriormente, quando esses concelhos eram distantes?
JC - É preciso perceber porque é que isso acontecia. Em 1978, devido à orografia da região, entendeu-se, e bem, que os enfermeiros deveriam ter o chamado “subsídio de fixação à periferia”. Esta situação não abrange apenas os enfermeiros, mas também os médicos, que além da prestação remuneratória, tinham, em alguns casos, casa atribuída. No que toca aos enfermeiros, hoje temos profissionais em todos os Centros de Saúde da Região e cuidados de enfermagem em toda a Região. Não há listas de espera para cuidados de enfermagem, nem problemas de acesso aos serviços por causa disso. Hoje, com a realidade, um pouco diferente, este subsídio tem contexto em outras funções. Por exemplo, hoje sabemos que os enfermeiros percorrem a ilha de ponta a ponta e nos casos em que os doentes estão acamados, ou que por diversas razões não se podem deslocar ao centro de Saúde, os enfermeiros são quem pega nas malas de manhã e voltam, muitas vezes, a meia tarde. Para nós, este subsídio não é para fixar, mas para compensar um conjunto de actividades que o enfermeiro tem.
JM - Não seria lógico que fossem só os que saem a receber?
JC - É rotativo. Este mês pode ser um, para o próximo mês é outro.
JM - E não deveria ser pago apenas a quem sai do Centro num determinado mês, como subsídio de deslocação? Um Centro de Saúde pode ter doze enfermerios e sai um por mês. Nos outros onze meses todos recebem, ficando sentados na secretária.
JC - É discutível.
JM - Numa altura em que há desemprego na enfermagem, como nos outros sectores, não teria mais lógica ser criado, por exemplo, um corpo de enfermagem itinerante? Só para fazer isso?
JC - Os serviços de enfermagem não se fazem às prestações. Mas de forma permanente. Nessa globalidade, sabemos que há carência de profissionais. O problema não decorre da carência dos contextos de trabalho. A questão da admissão de pessoal ao Serviço Regional de Saúde deve-se às regras de admissão de pessoal, que impede a sua entrada. A questão passa mais por medidas economicistas, do que propriamente por necessidades do terreno.
Duplo emprego é permitido por Lei
JM - Mas há muitas pessoas que prestam serviço no sector público e que depois vão a duas ou três clínicas.
JC - Aí coloca-se outra questão. A Lei obriga a que os enfermeiros e qualquer funionário público, para exercer um “part-time”, tenha de pedir autorização à sua entidade patronal, que avalia cada caso e decide em função disso. E até hoje acredito que, se não houvesse essa possibilidade de duplo emprego, não teríamos privados com a qualidade que temos. Talvez agora, face à realidade, a situação deva ser repensada.
O sindicato dos enfermeiros nunca defendeu o duplo emprego. Mesmo na Função Pública, defendemos é as 35 horas semanais e devidamente remuneradas.
JM - Mas essas são as públicas. Sabemos que há enfermeiros que passam seis noites por semana em clínicas para depois entrarem de manhã no hospital. Foram para isso autorizados pelo Governo?
JC - O que lhe posso dizer é que a Lei obriga a que todos os enfermeiros que acumulem tenham autorização da sua entidade patronal. Se esta autoriza essas situações, é porque as avaliou.
JM - Mas quando essa autorização é pedida, é dito que número de horas por semana ou por mês é que um enfermeiro vai lá fazer ou só diz que vai fazer uns pensos?
JC - O requerimento obriga a que o enfermeiro ponha os horários que pratica, o vencimento que aufere, um conjunto de critérios descritos na Lei 12A de 2008 de Fevereiro do ano passado.
JM - Concorda com o duplo emprego quando há desemprego?
JC - Não temos nada contra o duplo emprego, o que defendemos é um vínculo profissional estável, devidamente remunerado, seja ele numa entidade pública ou numa privada.
Estabilidade no sector
JM - Como sindicalista, defensor de todos os enfermeiros, os que têm emprego e os que não têm, acha que o Governo deveria continuar a autorizar esta situação de duplo emprego?
JC - O que defendo é que os enfermeiros devem ter estabilidade de emprego devidamente remunerada. Vir a clarificar-se o trabalho no público e no privado, vem criar maior possibilidade de empregabilidade na profissão. Mas é preciso ter em conta que até há um ano ou dois o serviço público absorvia todos os enfermeiros que se formavam. E hoje, não quer dizer que não sejam necessários, mas há serviços que não se fazem, porque são precisos mais enfermeiros.
JM- Diz que são precisos 2.500...
JC - Para termos um quadro erstável, para não sobrecarregar os enfermeiros com trabalho extraordinário e regimes de horário acrescido e para que não seja necessário solicitá-los para além do que é necessário, apontamos que esse quadro deveria ir até aos 2.500 enfermeiros. Contra factos não há argumentos. Há coisas que não se fazem porque não há enfermeiros, há projectos que ficam a meio caminho por não haver enfermeiros.
JM - Tais como?
JC - A implementação do diagnóstico do enfermeiro, trabalhos de investigação, por exemplo, que muitas vezes demoram mais tempo. Há pouco tempo entrou em funcionamento a unidade de cuidados continuados de São Vicente, porque até há seis meses não tínhamos enfermeiros para estarem nessa unidade.
Os números não são nossos, o Ministério da Saúde reconhece que temos falta de 15 mil enfermeiros.
JM - Temos enfermeiros madeirenses a trabalhar fora da Região?
JC - Sim, particularmente desde 2003, acontece não ficarem colocados em concursos na Região e saberem de outro fora e ficarem colocados nesses depois de concorrerem.
JM - Como aconteceu agora com os enfermeiros de fora da Região que concorreram para cá, com 300 candidatos para 83 vagas.
JC - Mas isso está previsto legalmente, o mercado é aberto.
Regulamento à medida
JM - O novo regulamento interno da saúde está a ser elaborado pelo Governo. Qual a vossa posição, neste momento, em relação ao texto?
JC - Um regulamento interno de uma instituição pública, como o caso do Serviço de Saúde da Região, visa introduzir alterações na organização e gestão dos serviços para corrigir o que está mal e aprimorar o que está bom. E não deve ser direccionado para o grupo A, B ou C.
JM - Está a dizer que está a ser direccionado para os médicos?
JC - Sim, sim. Esteve, não tenho dúvidas. E ainda vou mais longe: procurou introduzir no Serviço Regional de Saúde a ideia de que o acto médico, em certa medida, devia rever-se, no regulamento. O que não é correcto, porque um regulamento deve ter em conta todos os grupos para os motivar numa nova cultura organizacional. Se o objectivo era este, devia considerar em equidade todos os grupos profissionais, incluindo os enfermeiros.
Não tenho dúvidas de que hoje, temos profissionais de enfermagem preparados na área da gestão que desempenham as suas funções na área da saúde. E não se compreende como é que um regulamento interno que visa uma nova cultura, se direccionasse apenas, inicialmente, para uma área profissional, a médica. E nós, como sindicato, que vemos as questões de forma abrangente, preocupamo-nos com os enfermeiros também nestas questões. Desse ponto de vista, interviemos, alertamos o Conselho de Administração para algumas correcções a fazer, foram tidas em conta algumas alterações, mas foram poucas, porque tentou-se apenas dizer que não nos consideravam, mas que "vamos pôr umas coisinhas para dizer que vocês estão cá". Não concordamos, porque hoje, na área da saúde, há vários saberes, como o da medicina, o da enfermagem, o social e outras. Um regulamento devia ter em conta as várias vertentes e o texto não tinha.
A criação de um hospital particular na Região é bem-vinda, desde que se constitua com um corpo clínico próprio, que se organize de forma própria e que o utente, quando tiver de optar entre o público e o privado, faça essa opção consciente do que vai encontrar. Em termos de empregabilidade será, não tenho dúvidas, uma oportunidade para os enfermeiros e outros profissionais de saúde. Não temos nada contra, mas o que não se pode é admitir é que haja alguma promiscuidade entre o público e o privado e que de uma vez por todas se clarifique o que é público e o que é privado. Porque não se pode admitir que não se saiba, muitas vezes, se as pessoas estão no público ou no privado e, segundo alguns utentes, atendem de forma diferente num e no outro. Se os profissionais jogam consoante o campo que actuam, isto não pode acontecer. Agora, a sã concorrência com o público é boa para os utentes por terem mais opções de escolha, boa para os profissionais pela criação de emprego e boa para a Madeira porque teremos, talvez, outras variantes da medicina...
Fonte: JM
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