
"Já se viveu melhor no Porto Santo, embora na minha altura fosse mais duro do que nos dias de hoje", afirma o mestre Alberto Mendonça, reformado, conhecido como o 'reitor da universidade do dia-a-dia' na esplanada do café Girassol. É ali que diariamente discute a rotina e conta as histórias de um passado cheio de aventuras, algum sofrimento, mas de muito orgulho. Foi lá que o DIÁRIO confrontou duas gerações de pessoas com perspectivas muito próprias sobre as questões de âmbito social mais marcantes do Porto Santo. O senhor Domingos Castro, também ele reformado, atesta a veracidade dos factos acima descritos, embora realce que as dificuldades daquela altura não tinham nada a ver com as dificuldades que actualmente existem. Hoje, interfere Mestre Alberto, "está tudo feito e se as pessoas quiserem alguma coisa compram. Na nossa altura tínhamos de trabalhar duro para poder ter alguns dos bens que hoje em dia as pessoas adquirem facilmente nos supermercados". Uma opinião para dizer que as condições de vida melhoraram, mas nem tanto como as pessoas desejariam. Embora aparentemente as pessoas vivam melhor, existem problemas mais graves que estão camuflados. A falta de trabalho é uma delas. Quer para aqueles que querem trabalhar, quer para as empresas que perante o cenário actual, não vêm um futuro muito risonho. "Está muito difícil", arremata Manuel ' Caldeireta', empresário da construção, que se juntou à conversa."Simplesmente o trabalho está cada vez mais escasso e não estou a ver como as pequenas empresas da ilha vão sobreviver". Um comentário ao qual adiciona uma agravante: "se não temos trabalho não podemos empregar, se não há trabalho, as pessoas vão viver de quê"? Vai tudo trabalhar para os hotéis? Alguns até já fecham as portas no inverno, outros nem chegam a abrir", e questiona: "será esse o futuro do Porto Santo e dos jovens que constantemente estão a entrar no mercado de trabalho?".
Aliás, como referiu Pedro Freitas, que entrou na 'mesa redonda' improvisada, "não é muito visível, mas hoje em dia existem já pessoas que não ganham para pagar as despesas. Existem pessoas com as casas em risco, pessoas que tiveram de entregar os carros porque não têm possibilidade de os pagar". Algo de muito preocupante, concordam os nossos interlocutores, que temem, por via disso, um aumento significativo do número de pessoas com dificuldades, o que, por sua vez, poderá culminar também no aumento da insegurança e dos roubos. "Algo que, embora em relação a outros lugares ainda esteja controlado, mas para um meio pequeno como o Porto Santo, "começa a ser preocupante". Afirma Manuel, o 'Caldeireta'.
"Só para passar certidão de óbito"
Já nas questões da saúde, a unanimidade é quase geral. Todos admitem a necessidade, não de um novo hospital, mas de um centro que atenda com mais eficácia e profissionalismo do que acontece actualmente. "Uma pessoa morre primeiro e só depois é que lhe dizem o que tem". Uma afirmação do Mestre Alberto, que diz estar há três anos à espera de ser chamado para uma operação à anca. As consultas que demoram por vezes mais de três meses a conseguir, a falta de coordenação dos serviços e as poucas valências existentes no Porto Santo, são algumas das criticas que mais se fazem sentir. "Felizmente não tenho tido problemas de saúde e são poucas as vezes que lá ponho os pés, admite Manuel 'Caldeireta'. O mesmo não acontece com Pedro Freitas que, conhecedor dos serviços do centro, garante que qualquer problema mais grave que surja prefere ir ao Funchal. "Pago mais, mas sei com o que posso contar". Mais frustrante para as pessoas é o facto de, por vezes, terem de esperar três meses para serem atendidas pelo médico de família, o que, admitem, "ser coisa de terceiro mundo". Em jeito de exemplo aludiram ao recente acontecimento no centro local, onde uma jovem perdeu o bebé de forma negligente, segundo as crónicas que se contam na ilha.
Aumenta pedidos de ajuda
A pobreza continua a ser um assunto tabu no Porto Santo. Mas o facto é que nos últimos anos, com o agravamento das dificuldades ela deixou de ser tão encapotada e passou a ser mais evidente. "Não são números muito alarmantes", garante Idalino Vasconcelos, presidente da Junta de Freguesia, mas o facto é que cada vez mais famílias inteiras vivem num clima de pobreza que não chega a ser extrema, mas que é susceptível de colocar em risco o normal crescimento e desenvolvimento de algumas crianças e jovens. Os pedidos de apoio são mais sentidos na 'Conferência Vicentina' e na Junta de Freguesia local, pois são estas as instituições mais procuradas por pessoas carenciadas. Um apoio que é dado em géneros alimentícios, medicamentos, óculos e fraldas, entre outros bens de maior necessidade.
Idalino Vasconcelos explica que quando entrou para a junta há quatro anos, havia um número significativo de pessoas que o abordavam constantemente no sentido de lhes garantir essa ajuda. Algo que era feito, admite, "de forma envergonhada e nos locais mais variados, entre os quais, na praia, na estrada, onde quer que me encontrassem". O receio da exposição chegou ao ponto de, "em vez das pessoas virem à junta buscar, tínhamos de ser nós a ir à casa das pessoas levar". Pese embora muitos desses pedidos fossem esporádicos, sem querer especificar números concretos, Idalino confessa que o número de famílias que recorrem actualmente a esta ajuda voltou a subir nos últimos dois anos. "Mais grave é que temos famílias cada vez mais jovens, algumas com dificuldades para pagar a casa e sem recursos financeiros para fazer face às despesas com a alimentação, dos quais se destacam alguns casais que se divorciaram há pouco e ficaram sem um dos rendimentos". Não querendo dramatizar a situação, o autarca admite que este é, no entanto, um sinal que deve ser encarado com alguma preocupação, e que deve ser analisado com algum cuidado. "Nós desempenhamos um papel social importante, mas temos a consciência das nossas limitações e sabemos que não conseguimos acudir a todos".
Jovens lutam para manter o optimismo
São sete estudantes e espelham um pouco as perspectivas dos jovens porto-santenses para o futuro.
Desporto, psicologia, design, medicina e segurança pública, são algumas das áreas que um grupo de jovens do 9º, 10º, 11º e 12º Ano, da Escola professor Francisco de Freitas Branco, querem seguir no futuro.
Mas pelo meio são sentidas muitas reticências entre o querer e conseguir. Nada que tenha a ver com o terminar os estudos, mas sim conseguir singrar no mercado de trabalho. A Carlota Ferreira, que quer seguir medicina e Roberta Freitas, aliciada pela psicologia, são do grupo as que mostram mais optimismo. Quer por serem áreas em que consideram a oferta maior que a procura, quer por acharem serem áreas ainda com algum espaço em termos de colocação no Porto Santo. "Embora saibamos não ser fácil, tentamos manter a esperança que pode ser possível", admitem quase em uníssono. O mesmo não acontece com Marta Rodrigues, André e Roberto Melim, jovens que querem seguir, design e desporto respectivamente. "Primeiro quero acabar o 12º ano e depois então vou ver como as coisa vão acontecer", diz Roberto Melim. Caso não seja possível, André Melim, outro dos jovens que quer seguir desporto, gostaria de tirar gestão de instalações desportivas em alternativa, "porque quero trabalhar no Porto Santo e esta é uma área onde não existe muita gente com esse curso". Já a Marta Rodrigues está consciente que tem poucas hipóteses de vir a trabalhar no Porto Santo. "É difícil fazermos planos para o futuro e pensarmos em continuar na ilha". Esta é uma área que gostaria de seguir, mas está consciente que não tem saída na sua terra. "Para já não passa de uma aspiração, logo veremos no que dá". Este não parece ser o género de preocupação para Eusébio Dias, que quer ser polícia. "Penso que não terei grandes dificuldades em conseguir alcançar os meus objectivos, embora esteja consciente que as coisas possam mudar", referiu Por seu turno, Aleixo Dias não sabe ainda o quer seguir no futuro. "Na altura certa vou pensar melhor nisso, para já é muito cedo".
Optimismo partilhado
Embora conscientes das dificuldades que os esperam, este grupo de jovens estudantes mostra a irreverência própria da idade. Nenhum dá mostras de se vergar perante o actual cenário de coisas e do próprio Porto Santo, ilha na qual as oportunidades de emprego escasseiam para quem opta por tirar um curso superior. As alternativas são poucas e os supermercados, a construção e os hotéis não são aliciantes para quem está a estudar para conseguir ser alguém no futuro, confessam. "Só nos resta andar passo-a-passo e ser optimistas, o que com os tempos que correm não é fácil". Mesmo assim, admitem, "não podemos baixar os braços, porque acreditamos que teremos a nossa oportunidade e isso dá-nos força".
Fonte: DN
Aliás, como referiu Pedro Freitas, que entrou na 'mesa redonda' improvisada, "não é muito visível, mas hoje em dia existem já pessoas que não ganham para pagar as despesas. Existem pessoas com as casas em risco, pessoas que tiveram de entregar os carros porque não têm possibilidade de os pagar". Algo de muito preocupante, concordam os nossos interlocutores, que temem, por via disso, um aumento significativo do número de pessoas com dificuldades, o que, por sua vez, poderá culminar também no aumento da insegurança e dos roubos. "Algo que, embora em relação a outros lugares ainda esteja controlado, mas para um meio pequeno como o Porto Santo, "começa a ser preocupante". Afirma Manuel, o 'Caldeireta'.
"Só para passar certidão de óbito"
Já nas questões da saúde, a unanimidade é quase geral. Todos admitem a necessidade, não de um novo hospital, mas de um centro que atenda com mais eficácia e profissionalismo do que acontece actualmente. "Uma pessoa morre primeiro e só depois é que lhe dizem o que tem". Uma afirmação do Mestre Alberto, que diz estar há três anos à espera de ser chamado para uma operação à anca. As consultas que demoram por vezes mais de três meses a conseguir, a falta de coordenação dos serviços e as poucas valências existentes no Porto Santo, são algumas das criticas que mais se fazem sentir. "Felizmente não tenho tido problemas de saúde e são poucas as vezes que lá ponho os pés, admite Manuel 'Caldeireta'. O mesmo não acontece com Pedro Freitas que, conhecedor dos serviços do centro, garante que qualquer problema mais grave que surja prefere ir ao Funchal. "Pago mais, mas sei com o que posso contar". Mais frustrante para as pessoas é o facto de, por vezes, terem de esperar três meses para serem atendidas pelo médico de família, o que, admitem, "ser coisa de terceiro mundo". Em jeito de exemplo aludiram ao recente acontecimento no centro local, onde uma jovem perdeu o bebé de forma negligente, segundo as crónicas que se contam na ilha.
Aumenta pedidos de ajuda
A pobreza continua a ser um assunto tabu no Porto Santo. Mas o facto é que nos últimos anos, com o agravamento das dificuldades ela deixou de ser tão encapotada e passou a ser mais evidente. "Não são números muito alarmantes", garante Idalino Vasconcelos, presidente da Junta de Freguesia, mas o facto é que cada vez mais famílias inteiras vivem num clima de pobreza que não chega a ser extrema, mas que é susceptível de colocar em risco o normal crescimento e desenvolvimento de algumas crianças e jovens. Os pedidos de apoio são mais sentidos na 'Conferência Vicentina' e na Junta de Freguesia local, pois são estas as instituições mais procuradas por pessoas carenciadas. Um apoio que é dado em géneros alimentícios, medicamentos, óculos e fraldas, entre outros bens de maior necessidade.
Idalino Vasconcelos explica que quando entrou para a junta há quatro anos, havia um número significativo de pessoas que o abordavam constantemente no sentido de lhes garantir essa ajuda. Algo que era feito, admite, "de forma envergonhada e nos locais mais variados, entre os quais, na praia, na estrada, onde quer que me encontrassem". O receio da exposição chegou ao ponto de, "em vez das pessoas virem à junta buscar, tínhamos de ser nós a ir à casa das pessoas levar". Pese embora muitos desses pedidos fossem esporádicos, sem querer especificar números concretos, Idalino confessa que o número de famílias que recorrem actualmente a esta ajuda voltou a subir nos últimos dois anos. "Mais grave é que temos famílias cada vez mais jovens, algumas com dificuldades para pagar a casa e sem recursos financeiros para fazer face às despesas com a alimentação, dos quais se destacam alguns casais que se divorciaram há pouco e ficaram sem um dos rendimentos". Não querendo dramatizar a situação, o autarca admite que este é, no entanto, um sinal que deve ser encarado com alguma preocupação, e que deve ser analisado com algum cuidado. "Nós desempenhamos um papel social importante, mas temos a consciência das nossas limitações e sabemos que não conseguimos acudir a todos".
Jovens lutam para manter o optimismo
São sete estudantes e espelham um pouco as perspectivas dos jovens porto-santenses para o futuro.
Desporto, psicologia, design, medicina e segurança pública, são algumas das áreas que um grupo de jovens do 9º, 10º, 11º e 12º Ano, da Escola professor Francisco de Freitas Branco, querem seguir no futuro.
Mas pelo meio são sentidas muitas reticências entre o querer e conseguir. Nada que tenha a ver com o terminar os estudos, mas sim conseguir singrar no mercado de trabalho. A Carlota Ferreira, que quer seguir medicina e Roberta Freitas, aliciada pela psicologia, são do grupo as que mostram mais optimismo. Quer por serem áreas em que consideram a oferta maior que a procura, quer por acharem serem áreas ainda com algum espaço em termos de colocação no Porto Santo. "Embora saibamos não ser fácil, tentamos manter a esperança que pode ser possível", admitem quase em uníssono. O mesmo não acontece com Marta Rodrigues, André e Roberto Melim, jovens que querem seguir, design e desporto respectivamente. "Primeiro quero acabar o 12º ano e depois então vou ver como as coisa vão acontecer", diz Roberto Melim. Caso não seja possível, André Melim, outro dos jovens que quer seguir desporto, gostaria de tirar gestão de instalações desportivas em alternativa, "porque quero trabalhar no Porto Santo e esta é uma área onde não existe muita gente com esse curso". Já a Marta Rodrigues está consciente que tem poucas hipóteses de vir a trabalhar no Porto Santo. "É difícil fazermos planos para o futuro e pensarmos em continuar na ilha". Esta é uma área que gostaria de seguir, mas está consciente que não tem saída na sua terra. "Para já não passa de uma aspiração, logo veremos no que dá". Este não parece ser o género de preocupação para Eusébio Dias, que quer ser polícia. "Penso que não terei grandes dificuldades em conseguir alcançar os meus objectivos, embora esteja consciente que as coisas possam mudar", referiu Por seu turno, Aleixo Dias não sabe ainda o quer seguir no futuro. "Na altura certa vou pensar melhor nisso, para já é muito cedo".
Optimismo partilhado
Embora conscientes das dificuldades que os esperam, este grupo de jovens estudantes mostra a irreverência própria da idade. Nenhum dá mostras de se vergar perante o actual cenário de coisas e do próprio Porto Santo, ilha na qual as oportunidades de emprego escasseiam para quem opta por tirar um curso superior. As alternativas são poucas e os supermercados, a construção e os hotéis não são aliciantes para quem está a estudar para conseguir ser alguém no futuro, confessam. "Só nos resta andar passo-a-passo e ser optimistas, o que com os tempos que correm não é fácil". Mesmo assim, admitem, "não podemos baixar os braços, porque acreditamos que teremos a nossa oportunidade e isso dá-nos força".
Fonte: DN
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